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Gillette

Por esta altura já devem ter visto o anúncio da Gillette que provocou um motim nas redes sociais. Para perceber o porquê de tudo o que está a acontecer é preciso um contexto: há uma guerra a acontecer.

Em 2012, um homem chamado Michael Dubin teve um surpreendente sucesso viral nas mãos. Um vídeo hilariante de apresentação da sua empresa mostrava-o a andar pelo seu armazém a gozar com as lâminas de barbear de alta tecnologia e a explicar que as suas, mais simples, eram melhores. Esse vídeo teve milhões de visualizações e foi o início do sucesso da Dollar Shave Club. A Dollar Shave Club tinha uma proposta de valor muito simples: as lâminas de barbear são caras e têm de ser compradas regularmente. Por 1 dólar por mês a empresa enviava, todos os meses, novas lâminas para casa dos clientes. Apostaram tudo em marketing e focaram-se em criar uma óptima experiência e relação com o cliente. A caixa tinha pinta e estava cheia de frases cómicas. A Dollar Shave Club era uma empresa jovem, cool, com sentido de humor e 100% online. O seu CEO era a estrela de vídeos na internet e a marca reinava nas redes sociais.

A Dollar Shave Club tinha um Golias pela frente. A Gillette. Uma marca antiga, séria, detida pela Procter&Gamble, e que forneceu as lâminas de barbear que os soldados americanos usaram na primeira guerra mundial. Uma marca cuja praia é a televisão e as prateleiras de supermercado.

O sucesso da Dollar Shave Club nos Estados Unidos foi tão grande que acabou por sempre comprada pela Unilever, arqui-inimigos da Procter&Gamble, por mil milhões de dólares. Isto deu à Unilever 60% do mercado de subscrição online de lâminas de barbear (comparativamente aos 5% da Gillette). Segundo um analista da Jefferies Financial Group: “a Unilever estacionou os tanques no quintal da Procter&Gamble numa das suas categorias mais rentáveis”.

Em anos recentes, várias empresas que surgiram dentro deste nicho começaram a comer mercado à Gillette fazendo-a passar dos seus 70% de quota de mercado em 2010 para os actuais 54%.

Isto tudo para dizer. A colossal Gillette está a perder muito terreno e dinheiro.

E porque é que isto liga a este anúncio que deu polémica?

No livro Start With Why, o Simon Sinek utiliza a já famosa frase “people don’t buy what you do, they buy why you do it”. Ele escreve que uma marca tem primeiro de comunicar aquilo em que acredita e só mais tarde o seu what, o seu produto. Para o Simon é um erro comunicar primeiro o produto porque invariavelmente a empresa vai acabar a competir por preço ou “features” do produto. Vai tornar-se uma commodity. Comunicar o porquê da marca existir e fazer o que faz, na visão dele, cria uma ligação emocional a quem acredita na mesma coisa. O livro diz ainda que o sítio do cérebro onde se formam as emoções é o mesmo onde se tomam as decisões. Logo, a marca estaria a usar a emoção para despoletar uma possível decisão de compra.

O que é que sabíamos sobre as crenças da marca Gillette até à semana passada? Eu não sabia nada. Porque a Gillette sempre se focou no produto. Em comunicar que tinha mais lâminas, gel na lâmina, lâminas aquecidas, cabeças que rodam, lâminas que faziam tostas mistas, etc. A Gillette tornou-se uma commodity a competir por “features”.

Juntando a isto há todos os estudos sobre os Millennials e Geração Z que dizem que estas gerações querem que as marcas representem alguma coisa, que tenham um propósito.

É isso que, a meu ver, a Gillette quis fazer com este anúncio. Quis afastar-se do produto e ter um why, um propósito, para atrair este grupo demográfico que as outras marcas mais jovens e cool estavam a conseguir conquistar. Num meio onde os outros estavam a dominar: a internet.

Aquilo que, na minha percepção gerou a polémica foi o facto da marca não ser conhecida por representar um propósito e, do nada, ter começado a representar certos valores. Quando a Nike fez o anúncio com o Colin Kaepernick não pareceu estranho porque a Nike, enquanto marca, defende os valores da acção, de sacrifício, de dar o passo em frente, de arriscar. A associação aos valores do Kaepernick fazia todo o sentido. Com a Gillette pareceu pouco genuíno e que estão só a surfar a onda da responsabilidade social.

Isto não quer dizer que a Gillette não posso ter um propósito. Tudo vai depender da consistência que a marca der a esta linha de comunicação. Se o fizerem, daqui a uns anos, já não parecerá estranho eles comunicarem certos valores porque todos nós já enraizámos que a marca os defende.

Fico curioso para ver o rescaldo desta campanha nos próximos meses e se surtiu o efeito desejado. Há muitos comentários no vídeo original da Dollar Shave Club de pessoas a dizerem que vão mudar para eles e que nunca mais voltam à Gillette. Veremos!