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Nostalgia

Numa altura em que o mundo do marketing está obcecado em fazer coisas “fresh” – com uma fome voraz pelo mais novo, original e criativo – porque é que a Ferrero Rocher continua a passar os velhinhos anúncios do Ambrósio nos últimos 25 anos? Na minha percepção, é por uma razão: nostalgia.

De acordo com a Erica Hepper, PhD e professora de Psicologia na Universidade de Surrey, a “nostalgia é uma emoção fuzzy e quente que sentimos quando pensamos numa memória querida do passado”. Mas mais do que isso, acrescenta Alan Hirsch no seu relatório “Nostalgia: A Neuropsychiatric Understanding”: a nostalgia é “um desejo por voltar ao passado”. Mas “um passado idealizado”. Aquilo que os “psicoanalistas chamam screen memory”. Uma “combinação de várias memórias, todas juntas, em que as emoções negativas são filtradas para fora”. É uma versão “higienizada” do nosso passado em que só deixámos ficar o bom.

Hirsch acrescenta que a nostalgia não se refere propriamente a uma memória específica mas sim a um estado emocional. A nossa vontade de sentir esse estado emocional idealizado, que associamos a períodos do nosso passado em que tudo era aparentemente melhor, leva-nos, segundo o autor, a repetir actividades que fazíamos na altura. Usando “objectos, sons, cheiros e sabores” que experienciámos no passado e aos quais essas emoções idealizadas ficam agarradas.

Sempre que eu vejo o anúncio do Ferrero Rocher eu tenho essa sensação nostálgica, fuzzy e quente. Será que inconscientemente a marca está a despoletar em nós a vontade de comprar (e comer) o Ferrero Rocher, por nostalgia, porque queremos voltar a sentir essas emoções que sentimos no nosso passado idealizado? Porque aquilo carrega a carga simbólica de uma altura, ligada ao Natal, que remete à infância, à simplicidade e ao conforto?

Parece-me que sim e acho uma decisão super inteligente por parte da marca em manter o anúncio e explorar esse efeito. É também, a meu ver, a grande razão pela qual as festas do Revenge of the 90s têm tanto sucesso. Não só há o factor da festa e da diversão, à superfície, mas também toda uma camada emocional subjacente que, ao ouvirmos músicas e vermos imagens do nosso passado, nos remete emocionalmente para um tempo em que tudo era aparentemente melhor. É também, para mim, um dos factores do sucesso da série Stranger Things, o porquê de ser sempre tão bom ver o Sozinho em Casa (e cujo efeito nostálgico a Google explorou tão bem num anúncio no ano passado) ou as recentes edições de consolas retro esgotarem tão rapidamente. Podemos usar o termo “nostalgia marketing”?

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O Presidente e os Influencers

Cito: “Senhor Presidente, se quer que o levem a sério (…)” não pode transformar “(…) o nobre palácio que o alberga numa espécie de casa das barbies ou em gaiola das malucas.”. Foi assim que um jornalista do Público terminou o seu artigo de opinião sobre o encontro entre o Presidente Marcelo e 40 “influenciadores”. O que os vários “meios tradicionais” parecem não perceber – ou ficam irritados por perceber, talvez – é que, na verdade, vocês são concorrentes.

Porque estão a disputar a minha atenção enquanto consumir. O meu tempo é finito e se estou a ver x não estou a ver y. E estão a disputar o dinheiro das marcas enquanto plataformas de media.

Hoje em dia, qualquer pessoa pode tornar-se uma empresa de media. Criar e distribuir os seus conteúdos. Não precisam que um “gatekeeper” lhes dê autorização de passagem (como um texto de opinião num jornal precisa). A internet democratizou isso. E estas “barbies” criaram a sua própria exposição e conseguem fazer aquilo que os tais meios têm tanta dificuldade em fazer: ter impressões, cliques, visualizações e ganhar dinheiro com publicidade.

Perante isto vejo duas opções: A primeira é continuar a menosprezá-los, como aconteceu esta semana. Repetir o mesmo de sempre e esperar resultados diferentes. A segunda é ter alguma humildade e tentar perceber o porquê daquilo que eles fazem estar a funcionar. Aprender com eles. Parece-me estranho uma classe que tanto se queixa de que os jovens não querem saber dela, ao mesmo tempo, ignorar completamente aquilo que está a funcionar com os jovens que eles querem atrair como audiência. Eu, no marketing, sei que já aprendi muito a observar os comportamentos e a forma como publicam certos youtubers e instagrammers.

Mais. Muitos deles, miúdos, criaram os seus próprios empregos e vivem full-time disso. Algo que, para mim, é admirável e de louvar. Bom também para a equipa do Presidente Marcelo que encontrou canais para se aproximar dos mais novos que seguem estas pessoas (uma collab, entre políticos e influenciadores, como sugeri num vídeo há uns meses).

A cereja no topo deste bolo é que o jornalista do Público, ao escrever um artigo de opinião, está, também ele, a tentar ser um influencer de opinião. Por alguma razão, há pessoas que acham que a sua influência é mais válida que a dos outros. Felizmente, com a internet, cada um pode escolher mais facilmente a quem dá atenção e quem o influencia.

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A Marca dos Mitras/Gunas

Um político Português, agora deputado, é constantemente associado a um clube de futebol. Dado a sua exposição pública, ao falar desse clube, ele torna-se um embaixador da marca. O que é que acontece quando a nossa marca, sem querermos, começa a ser associada a pessoas com valores que não correspondem aos nossos?

Quando eu vivi em Inglaterra, a Burberry, uma marca de roupa fundada em 1856 e posicionada como elegante e de classe alta, era conhecida como a marca dos “chavs”. Os mitras. Os gunas.

O “chav” inglês tinha um estereótipo. Vestido de fato de treino, ténis brancos, boné e joalharia falsa. Associado ao hooliganismo e ao uso de roupa contrafeita de marcas conhecidas para sinalizar algum tipo de status social. Uma dessas roupas contrafeitas, com o seu padrão altamente reconhecível e de fácil cópia, que mais se espalhou no mundo dos “chavs” foi o boné da Burberry. Este.

Enquanto que no resto do mundo a marca Burberry continuava forte, em Inglaterra era a marca usada pelas pessoas que, possivelmente, nos iam assaltar na rua. Já era um meme que saía em jornais. Os mitras eram Burberry e a Burberry eram mitras.

A vendas chegaram a cair 40% num ano. Tal era a sua associação ao hooliganismo que alguns estádios e pubs proibíam a entrada de pessoas que vestissem aquele padrão.

Acho isto fascinante. Um segmento para o qual eles nunca comunicaram nem quiseram como clientes, tomaram a marca de assalto. Afastando por completo o target para o qual eles comunicavam e que queriam como clientes.

O novo director criativo da Burberry, Christopher Bailey, decidiu erradicar quase por completo aquele famoso padrão das novas linhas da marca. Em 2004 estava apenas em 5% das peças.

Só em 2014 é que a marca decidiu voltar a introduzir de novo o padrão nas suas coleções. Associando-o a figuras jovens e cool como a Cara Delevingne e o Romeo Beckham. Um processo muito longo de correcção de rota para reposicionar a marca outra vez na cabeça dos clientes e no mundo da moda. Que, ao que tudo indica, está a ter sucesso.

Penso que esta história é um excelente lembrete de que uma marca é algo vivo. Uma marca é a imagem mental que as pessoas têm dela. Como diz o Jeff Bezos, “marca é aquilo que as pessoas dizem de nós quando saímos de uma sala”. Da mesma forma como uma pessoa fica associada aos valores da marca que usa, uma marca fica também associada aos valores daqueles que a usam. Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.

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Cultura, Confiança e Comunicação

Há coisas que desconhecemos sobre a cultura dos nossos colegas que podem estar a criar conflitos desnecessários na nossa empresa. Pode alguém estar a falar de alhos, nós entendermos bugalhos e isso dar choque? Foi este tema que abordou a Erin Meyer, uma professora da INSEAD que trabalha como consultora para empresas multinacionais e em vias de fusões, e que escreveu o livro The Culture Map.

Os Estados Unidos são o país mais directo na forma de comunicar. São uma cultura de “low context”. Nada na sua comunicação precisa de contexto nem tem sub-texto. Aquilo que eles dizem é aquilo que é. Em contraponto com o país mais “high context” que é o Japão. Em que as mesmas palavras e frases podem ter significados completamente diferentes consoante a entoação da voz ou o contexto em que são usadas. Mas, paradoxalmente, os Estados Unidos são também o país menos directo na forma de dar feedback negativo. Um americano irá, geralmente, dar sempre vários pontos positivos antes de dar o feedback negativo. Algo que cria choques com os Franceses ou Holandeses que falam do negativo sem problemas.

Na Dinamarca a liderança é feita de forma equalitária. O chefe é tratado pelo primeiro nome, trabalha no meio dos outros e toda a gente tem direito a uma opinião sobre o caminho a seguir. A Erin conta a história de um reputado director de uma empresa Dinamarquesa que, quando a sua empresa se funde com uma empresa Russa, passa a ter de liderar uma equipa Russos. Ambos os lados sentiram que não estava a funcionar mas a perspectiva de cada um é fascinante. O Dinamarquês dizia que o Russos se mostravam sempre com enorme deferência, à espera de ordens dele, sem iniciativa e que o tratavam por “presidente”. Os Russos consideravam-no um líder incompetente porque não dava ordens e recusou ter um gabinete próprio. A Rússia tem uma cultura de liderança top-down. Assim que li isto lembrei-me logo daqueles posts no linkedin ou no instagram sobre como é que se deve liderar. E se esses posts se basearem em lideranças de culturas que não se aplicam à nossa?

Outra escala que achei fascinante foi a escala da confiança. De como se cria confiança no local de trabalho mediante a cultura. A Erin conta a história de um executivo suíço da Nestlé que estava em negociação com um grupo Chinês. O Suíço dizia que não conseguia negociar com os Chineses, que eram altamente inflexíveis. Contratou um consultor Chinês que lhe ensinou que na China é preciso criar uma relação pessoal antes de qualquer outra coisa. Que a solução seria irem jantar, beber muito, sem nunca falar de trabalho. Criar uma relação. O Suíço fez isso e a, partir daí, tudo mudou. Segundo esta escala, há culturas, como as do norte-europeu em que a confiança é task-based, “se desempenhaste bem a tarefa eu confio em ti”, e, no outro extremo, em que a confiança é relationship-based. Criada à mesa de almoço ou durante as pausas para café. É a diferença entre “business is business” e “business is personal”.

Reparei também que não se limita apenas a culturas no seu todo. Ao ler o livro e olhar para o meu passado, consegui encontrar exemplos de pessoas de uma só cultura, a nossa, que têm comportamentos diferentes que encaixariam noutra cultura. Assumo que seja uma questão de personalidade.

Adorei este livro porque tenho colegas de muitas nacionalidades e o livro tem muitas estratégias e casos práticos de como abordar diferentes culturas. Como não há um certo ou um errado e como certos comportamentos têm raízes tão antigas como os sistemas filosóficos em que cada cultura se baseia e como estes influenciaram o sistema de ensino do país. Fez-me ver determinadas situações com olhos completamente diferentes.

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Identidade Auditiva

Uma das principais coisas em que uma pessoa pensa quando está a criar uma marca é na sua identidade visual. O logo, cores que transmitem certas sensações, tipo de letra e elementos gráficos. Mas o que é que acontece se nenhum de nós conseguir ver?

No fim deste ano, 200 milhões de pessoas terão smart speakers em casa e estima-se que em 2023 esse número atinga 500 milhões, ultrapassando já em 2021 a venda de tablets.

Na Web Summit 2017, o Al Lindsay, Head of Product da Alexa, o assistente de voz da Amazon, falou de um fenómeno incrível. Crianças que já nasceram com o Amazon Echo em casa estão tão habituadas a usar a voz para interagir com uma máquina que fazem o mesmo com todos os electrodomésticos de casa e ficam surpreendidas, por exemplo, que o frigorífico não responda de volta como faz o Echo e a Alexa. Segundo ele, com a voz não há “learning curve”. A voz é um interface natural. Eu tenho um smart speaker e o assistente de voz da Google ligado às luzes de casa e adoro. É muito prático poder ligar e desligar as luzes por voz.

Ainda que numa fase muito primária, já há pessoas e empresas a criar apps de voz para aceder em smart speakers. Agora imaginem todo um ambiente, como o ecrã de um telemóvel, em que se vai a um site ou a uma app, mas não há visual. Não havendo visual, como é que a nossa marca se destaca de todas as outras a competir neste espaço? Qual é a versão audio do nosso logo, cores e tipo de letra? Como vai ser a versão audio do nosso site? Qual é a nossa identidade auditiva?

Por esta razão, o CEO Gary Vaynerchuk começou a adicionar aquilo que ele chama “audio branding”, um logo sonoro, no início dos seus vídeos (exemplo no vídeo).

Na minha percepção, haverá uma grande procura por estas respostas nos próximos anos e os “designers de som” vão ter muito trabalho nas mãos.

Um pequeno P.S sobre os próximos influenciadores: 90 milhões de americanos ouvem podcasts todos os meses e 62 milhões todas as semanas. Este número tem crescido de ano para ano. O meio da “influência” é muito visual devido às plataformas onde a atenção está centrada neste momento. No entanto, se houver uma mudança grande da atenção de um ambiente visual para um ambiente auditivo, o influenciador terá de ter uma voz reconhecida. Porque se a pessoa que tem 200 mil seguidores no Instagram e só publica fotografias quiser fazer alguma acção com uma marca no Spotify, isso não lhe vai servir de nada. Ninguém lhe conhece a voz.

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Os jogadores

Não acham estranho ouvir-se dirigentes de clubes falar mais vezes do que os jogadores? Ou comentadores terem mais tempo de antena que os jogadores? Os jogadores são as estrelas. As pessoas querem acesso aos jogadores. No entanto, a comunicação dos clubes faz tudo para limitar esse acesso. E faz mesmo. Uma fonte dentro de um dos grandes disse-me, para minha surpresa, que os jogadores são vistos pelo clube como intocáveis que devem ser protegidos a todo o custo. Evitando ao máximo expô-los na comunicação do clube. E isto é extremamente bizarro. Porque todos os media já estão a explorar a imagem dos jogadores. Os clubes e os jogadores, as duas entidades que podiam beneficiar mais com uma exposição controlada e positiva do lado humano dos jogadores, não o fazem.

Como é que é possível que só depois do Bruno Fernandes estar há dois anos em Portugal, e estando possivelmente à beira de sair, é que o mundo está a descobrir que ele tem um sentido de humor incrível? Há uns dias ouvi uns minutos da presença do Jonas no Programa da Cristina e pensei “olha, até está aqui uma pessoa que sim senhor”. Porque é que os clubes impedem que as pessoas, os adeptos, os clientes, possam ter acesso aos jogadores enquanto pessoas? Eu gosto mais do Evra agora, por causa dos vídeos hilariantes dele, do que alguma vez gostei dele.

Muitas empresas estão a pensar como é que haverão de se tornar mais humanas na sua comunicação para criar uma ligação emocional ao cliente. Ao ponto de quererem expôr os seus colaboradores. Um clube de futebol, com uma matéria prima tão grande de capital humano, um no qual as pessoas já estão super interessadas à partida, não o faz. Todos os anos um clube tem 25 pessoas (mais as de equipas de outros escalões, mais as outras modalidades) de histórias para explorar. Quão incrível seria ouvir da boca do Acuña como foi crescer num bairro difícil da Argentina? Ou o Brahimi falar da Argélia e de como funciona o Ramadão. E isto não tem de ser complexo com mega produção. Têm noção do quão as pessoas iam adorar ver um vlog de youtube “um dia na vida do X”. Basta uma câmara a acompanhar um dia de um jogador. Ou o quão ia bombar colocar um grupo de jogadores a fazer um torneio de FIFA entre eles com um stream em directo no twitch ou no youtube? Todos na palhaçada a apertar uns com os outros. Se quisermos ir ainda mais longe, porque é que em prol da sanidade e paz do futebol, dois clubes rivais não juntam dois jogadores, depois de terem jogado um contra o outro nesse jogo, a falar de como foi a partida? Não preferiam ver jogadores a falar de futebol do que comentadores? Não só era um bom conteúdo como daria mais resultado que um presidente de uma federação a apelar ao fair play no futebol.

Porque eu, como adepto, quero ver e ouvir os jogadores e, infelizmente, a única coisa que ouvimos da boca deles são frases feitas e combinadas como “o grupo de trabalho esteve bem durante a semana. Vamos continuar a trabalhar bem”. De que é que os clubes têm medo?